Opa, Teuri aqui.
Por quê você joga RPG? Essa resposta é bem particular, e cada pessoa vai ter seus motivos próprios. Eu inclusive já fiz um vídeo onde faço essa pergunta para várias personalidades da comunidade do RPG e as respostas foram incríveis! Mas de modo geral, por que será que nós jogamos? Essa é uma pergunta que sempre me intrigou, e durante o processo de estudo de Game Design para a criação do Fractal RPG, eu me debrucei sobre ela. É sobre que queria abordar no post de hoje.
O Tema da Diversão
Uma resposta muito comum é que nós jogamos para nos divertir. Parti então em busca de entender melhor o que podemos considerar como diversão, uma vez que cada pessoa se diverte de modo diferente. Dentro da perspectiva das ciências humanas, o ator de jogar e brincar é entendido como essencial para o desenvolvimento e aprendizado do ser humano. As crianças brincam pois assim elas interagem com o mundo e aprendem no processo. O processo de jogar nos ensina. Há inclusive um autor chamado Johan Huizinga que defende o ator de jogar como parte fundamental da cultura humana. Em seu livro sobre o tema, ele inclusive define o ser humano como Homo Ludens, o homem que joga.
Para além disso, eu buscava por definição de diversão mais voltada para os jogos. Foi então que encontrei o livro sobre Game Design do autor Raph Koster, chama “A Theory of Fun for Game Design”, ou “A Teoria da diversão para o Game Design”, numa tradução livre.
Nesse livro, o autor explica que para ser divertido, um jogo precisa oferecer um ambiente cheio de oportunidades de aprendizado. Esse aprendizado por ser sobre diversas coisas: sobre o jogo, sobre os personagens, sobre as mecânicas e regras, antagonistas, e até mesmo um aprendizado sobre si mesmo, o próprio jogador.
Uma ótima maneira de criar essas oportunidades de aprendizado, é criar desafios e obstáculos e oferecer condições para que essas oportunidades de oportunidades de aprendizado possam ocorrer. Ele destaca 3 condições:
Controle: o jogador deve ter controle sobre as ações de seu personagem. O personagem é uma seara do jogador. É o que geralmente se chama de agência dentro do RPG de mesa. Se o Mestre de Jogo tem atitudes de cercear esse controle, ele potencialmente diminui a oportunidade do jogador aprender com suas ações.
Feedback: as ações que o jogador realiza através de seus personagens devem ter consequências, e essas consequências precisam ser percebidas. O aprendizado se dá no momento em que você percebe o resultado das suas ações e pode mudar suas atitudes para buscar resultados diferentes. É por isso que técnicas de “ilusionismo” por parte dos mestres podem ser tão prejudiciais, pois elas não permitem que os jogadores aprendam com as consequências das ações que controlam, e no fundo eles vão sentido que não tem controle de nada. Para aprofundar mais ainda isso, o mestre deve colocar alguns sinais para antecipar ameaças que se aproximam. Quando isso acontece, o jogador passa a ter parâmetros para tomar decisões, pois as antecipações nada mais são que informações sobre os desafios.
Objetivos: deve haver objetivos claros para os personagens ou para o jogo. Esses objetivos devem ser concretos, de forma que seja possível acompanhar o progresso em direção a eles. É muito comum ver aventuras estagnadas, e isso geralmente se dá por falta de clareza nos objetivos. Por que seguir nessa aventura é relevante para o personagem e para o jogador? Ter essa clareza ajuda a destravar o jogo. Também é importantíssimo conseguir demonstrar o progresso em relação a esses objetivos. Deixar claro os pequenos passos que os jogadores conseguiram dar em direção ao objetivo final é crucial. Ferramentas como mapas, listas que vão sendo riscadas, valor do tesouro total do grupo, podem ser modos interessantes de demostrar em jogo que eles estão conseguindo progredir em busca dos objetivos. É por isso que jogos eletrônicos geralmente são divididos em fases ou capítulos, e deixam isso claro para o jogador sempre que ele consegue evoluir.
Eu fiz um vídeo sobre esse tema, caso tenha interesse.
Botando em prática
Entender melhor sobre esse critérios da diversão me fez repensar várias coisas em como eu escrevia e preparava minhas aventuras enquanto mestre, além de mudar meu jeito de mestrar na prática. A gente só percebe o quanto não tinha objetivos claros, ou que não estava antecipando bem um perigo, quando começa a analisar essas coisas com critério após os jogos. Sessões de feedback e conversa depois do jogo ajudam muito também. Gosto muito de usar uma técnica chama Estrelas e Desejos para isso.
Foi com esse conteúdo em mente, que durante o desenvolvimento do Fractal, tentamos criar um modelo que permitisse ao Mestre de Jogo elaborar Desafios de modo interessante. No Fractal, chamamos o mestre de jogo de Arquiteto, pois ele é quem planeja e elabora os desafios, mas não constrói o mundo sozinho: essa construção se dá de forma coletiva com os jogadores durante o jogo.
Nossa solução atual para o Arquiteto é criar Desafios usando os Fatos, frases quer representam aspectos narrativos sobre o desafio. Um Desafio é entendido como qualquer coisa que apresente esse obstáculo: desde um adversário como um dragão verde, até um desafio climático como uma tempestade de neve. Para ultrapassar os desafios, os jogadores precisam interagir com ele na ficção, e lidar com cada um desses aspectos narrativos de forma que faça sentido ultrapassá-lo. Isso não envolve necessariamente rolagens.
Um dragão verde, por exemplo, pode ter um Fato chamado “escamas protetoras”. Os jogadores podem lidar com isso narrativamente, ao atrair a atenção do dragão para sobrevoar uma área específica, onde personagens preparados estavam prontos para atirar flechas na barriga do dragão. Esse posicionamento ficcional dos jogadores já é os suficiente para considerar esse Fato como lidado, uma vez que barriga do dragão não tem essa mesma proteção de escamas.
Nesse exemplo acima, seria importante antecipar e descrever a proteção dessas escamas (feedback), permitir que os jogadores tentem as soluções que acharem cabíveis, se posicionando no mundo (controle) em rumo ao objetivo claro de derrotar esse desafio. A cada ação deles, é importante oferecer mais feedback se os resultados foram positivos ou negativos, rumo ao objetivos deles e se isso gerou progressão.
Se quiser conhecer, testar e jogar o Fractal RPG, baixe as regras gratuitas do SRD no site e venha fazer parte da nossa comunidade no Discord do Dados Críticos.
Uma Experiência Emocional Satisfatória
Estava lendo um livro sobre escrita literária, e uma coisa interessante que o autor Randy Ingermanson aborda me fez refletir sobre o RPG. No livro, ele explica que os leitores estão procurando uma experiência emocional satisfatória ao ler um livro, e que cada cena precisa ter um pouco disso em si.
Obviamente, as mídias são diferentes e não é possível fazer uma correlação direta entre ambas. Contudo, me chama atenção que ele isso também vale para o RPG, em certo sentido. Quando jogamos, buscamos uma experiência emocional satisfatória. Me chama atenção o fato de que isso não quer dizer necessariamente “se divertir” no sentido do senso comum, com gargalhadas e risos. Em um jogo de Horror, a experiência emocional satisfatória pode significar sentir medo, pois aquele jogador busca por isso. Em um jogo Old-School, pode ser sentir que o você enquanto jogador foi inteligente o suficiente para lidar com os desafios da ficcção usando as poucas ferramentas fornecidas. Pode ser conseguir emular um jogo que pareça e siga os tropos de histórias de fantasias de livros ou filmes. Pode ser conseguir representar o seu personagem de maneira fiel, se colocando na pele dele. Isso vai variar, mas essas experiências emocionais satisfatórias nos ajudam a aprender sobre nós mesmos e o jogo, e portanto podemos dizer que são divertidas. E isso nos faz voltar a jogar e quere mais.
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